12 de mar. de 2009

O mistério na casa do poeta


O vento sul gélido balançava o salgueiro tristonho na frente da casa do sonhador da rua da Solidão, um obscuro Poeta divido entre a dor e a esperança. Vento que soprava, zunia como o grito agonizante de legiões de demônios mortos nos precipícios do Inferno.


Chegara na mente do Poeta uma revoada de sonhos extraordinários, naquela noite fria em que ele, solitário, havia deitado seu corpo cansado e desiludido sobre sua cama, e projetado sua mente em direção ao infinito e a eternidade reluzentes.


E ele atravessou sozinho distâncias inconcebíveis para as pessoas comuns e normais. E ele era apenas um homem anormal de poucas esperanças, sozinho no mundo, perdido entre tantos e tantos outros do mesmo jaez.


No sumidouro iridescente de um sonho insano com jeito de delírio psicodélico ele flutuou entre nuvens de pó dourado, naquele espaço insólito que divide a vigília do sono. E então ele navegou por galáxias estranhas, além de toda lógica compreensível.


Quando seu corpo repousou naquele mundo estranho, ele lembrou da Terra e de seus habitantes imersos em suas misérias e grandezas. E ele sentiu-se só novamente, um estranho a vagar por novas e estranhas paragens de um universo mítico.


A casa onde o sonhador morava, na rua da Solidão, estava fechada e com ares de abandono quando a polícia local foi chamada. Heras fétidas cresceram, envolvendo as paredes úmidas e imundas, repletas de lesmas viscosas e nojentas. Papoulas vermelhas cresceram e murcharam, contaminadas por vermes verdes que logo apodreciam ao contato com os ventos do Sul.


Os vizinhos estranharam a ausência daquele homem comumente recatado e arredio, mas que de vez em quando, num acesso de esperança, sorria amigavelmente para eles, quebrando seu silêncio críptico, místico, esotérico. Era tido como excêntrico, mas era um bom homem, eles diziam.


A polícia teve que arrombar a casa. Vizinhos entraram também. Houve pânico, correria. Desespero. Mulheres desmaiaram. Até os policiais foram tomados pelo terror. E o fedor, o fedor era insuportável como a carniça de mim homens enforcados à beira de rios poluídos.


Eles haviam visto uma coisa horrorosa, inacreditável, pertencente não a este mundo, mas às sombras das mutações grotescas do fundo dos universos fantásticos e sobrenaturais.


Havia vários livros de ocultismo, projeção astral, psigama, hiperestesia e psicotrônica espalhados pela casa do Poeta.


Foram chamadas autoridades locais e estudiosos das coisas do Oculto.


A imprensa conseguiu registrar tudo, mas o horror permanecia, o mistério permanecia.


O que todos viram naquele quarto ficaria registrado como "O Mistério na casa do Poeta".


O que todos viram naquele dia cinzento e frio de inverno foi um cadáver calcinado de forma horripilante, sem, contudo ter suas vestes sequer chamuscadas. O corpo do morto parecia ter sido atravessado por uma energia sobrenatural, ígnea, demoníaca. Ao redor da cama, fungos e líquens úmidos e pegajosos, além de sete gatos negros, miando sinistramente como que em louvor ao morto. Mas o que mais apavorou a polícia, o povo curioso e os estudiosos foram os olhos do poeta, preservados inacreditavelmente como que por milagre, olhos vermelhos, perdidos, sem brilho, tristonhos, aturdidos, como que contemplando imensidões negras de mundos distantes, nas dimensões invisíveis que coexistem com a nossa, na pluralidade dos mundos habitados!

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